Servidor público que trabalhar em desvio de função tem direito a indenização correspondente as diferenças salariais entre o cargo contratado e a função que realmente exerce
É muito comum que servidores públicos exerçam atividades estranhas ao seu cargo. Muitas vezes, os servidores se deparam com a situação de terem de realizar tarefas de competência de servidores ocupantes de cargos “superiores”, os quais tem remuneração mais elevada. O que muitos não sabem, é que laborar nessas condições lhes dá direito a receber indenização correspondente a diferença de remuneração entre um cargo e outro.
Trata-se do que na linguagem do direito chamamos de desvio de função. O desvio de função acontece quando o titular de um cargo exerce funções de outro e difere do acúmulo de função, que acontece quando o titular de um cargo exerce a sua função e a de outro.
A matéria foi debatida por muito tempo, pois alguns servidores ingressavam com ações judiciais requerendo a equiparação salarial e/ou o reenquadramento ao cargo paradigma. Ocorre que tais pedidos jamais poderiam ser concedidos, em razão da exigência de concurso para a investidura em cargos públicos e acesso às carreiras (art. 37, II da Constituição).
No entanto, certo é que a Administração Pública não pode se valer das vedações constitucionais para fazer com que servidores exerçam determinadas funções sem a devida contraprestação. Entender a situação de maneira diversa acarretaria em vantagem indevida da Administração sobre o servidor.
É por este motivo que o Superior Tribunal de Justiça chancelou, por meio da Súmula 738, entendimento no sentido de que: “reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. Assim, muito embora não possa o servidor em desvio incorporar a diferença remuneratória aos seus vencimentos, e tampouco possa ser reenquadrado ao cargo paradigma, tem ele direito a receber indenização correspondente a diferença de salários pelo período que laborou nessa situação.
Nesse contexto, é preciso advertir que nem todo o período de desvio de função poderá ser indenizado. A relação entre servidor e Poder Público é uma relação de trato sucessivo, de forma que a ela se aplica o prazo prescricional de 5 anos do Decreto nº 20.910/32 e também da Súmula 82 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 85 - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação.
Sendo assim, a indenização englobará as remunerações dos últimos cinco anos, contados da data da propositura da ação. Ainda, por serem verbas que decorrem do efetivo exercício de função, deverão ser acrescidas eventuais diferenças oriundas de adicionais (insalubridade, periculosidade e outros), além de férias e gratificação natalina. Por exemplo: se o servidor recebe adicional de insalubridade de 20% e o vencimento básico de seu cargo é R$ 10.000, o adicional será de R$ 2.000,00; ao ter reconhecido o desvio de função a cargo estranho, cuja remuneração seja de R$ 20.000 e também demande o recebimento do adicional na razão de 20%, o servidor fará jus a R$ 4.000,00 a título de insalubridade. Como já haviam sido incluídos R$ 2.000,00 em seu contracheque, o servidor terá direito aos outros R$ 2.000,00 que não lhe foram pagos, perfazendo o total de R$ 4.000,00.
Por fim, a indenização a que faz jus o servidor deve levar em consideração “os valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se esquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado” (STJ - REsp: 1091539 AP 2008/0216186-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 26/11/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: 20090330 --> DJe 30/03/2009).
Desta forma, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça o servidor público que laborar em desvio de função tem direito a: (I) indenização correspondente às diferenças remuneratórias do cargo que ocupa e o cargo paradigma, incluindo-se adicionais, férias e gratificação natalina; (II) desde que respeitado o prazo prescricional de 5 anos; (III) devendo o cálculo da indenização levar em conta os padrões em que gradativamente se enquadraria por força de progressão funcional.
Ademais, é dever da Administração Pública fazer cessar a situação de desvio de função, podendo serem impostas outras penalidades caso não o faça.
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